segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

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(imagem retirada da internet)




O direito ao diálogo


Educar é sempre desafiante, mas há momentos em que pode ser uma enorme frustração. A estratégia para lidar com a “areia na engrenagem” familiar passa por procurar apoio e alternativas. A parentalidade positiva e o coaching parental podem ser as respostas.

Com a entrada nos dois anos, os famosos “terrible twos”, Carla Domingos deparou-se com um dilema na educação da filha: se por um lado as birras iam aumentando e pediam medidas, por outro “preocupava-nos a hipótese de a formatarmos e interferirmos com a personalidade própria dela com regras e castigos excessivos”. À procura de respostas que a ajudassem a equilibrar esta equação e permitissem fugir dos extremos, pois nem a ditadura nem a anarquia são cenários aconselháveis na educação de uma criança, Carla inscreveu-se num workshop sobre parentalidade positiva. E foi aí que encontrou as respostas de que precisava. Uma das mensagens que interiorizou e que hoje considera essencial é a de que “nós, no papel de educadores, temos de ensinar os nossos filhos a tomar decisões. Se lhes impusermos demasiadas regras e formos demasiado restritivos, não permitimos que exerçam o direito de escolha, nem que percebam que para cada ato há uma consequência”. Posto em prática, este “direito à escolha” trouxe mais harmonia à casa desta família: “apesar de ter apenas dois anos, a minha filha tem respondido de uma forma muito positiva às nossas solicitações para fazer escolhas. Temos tido bons resultados em situações que tradicionalmente gerariam momentos de tensão, como a hora do banho, de vestir e de comer”. Esta tem sido a “fórmula mágica” para que a pequena Leonor se sinta mais envolvida nos processos e, assim, “em vez de ter de obedecer, coopera”.
Mas, afinal, o que é isto da parentalidade positiva? Não é mais do que “uma filosofia que promove a relação entre pais e filhos com base no mútuo respeito e que, porque esse mútuo respeito existe, a educação da criança é feita de uma forma não-violenta, de uma forma altamente construtiva”, explica Magda Dias, especialista em Coaching, Inteligência Emocional e Psicologia e Parentalidade Positiva e autora do blogue “Mum’s the Boss” (mumstheboss.blogspot.com), acrescentando que “quando um pai exerce a parentalidade positiva coloca limites claros à criança, não usando desculpas (‘ah, o bolo está estragado’), mentiras (‘porta-te bem ou vem aí o polícia e leva-te’) ou qualquer tipo de violência (‘estás aqui estás a apanhar’), seja ela em forma de sapatadas, berros ou ameaças e castigos”. Na parentalidade positiva, os pais “reconhecem as crianças como pessoas, seres humanos inteiros”. Nesta perspetiva, a grande diferença entre um pai e um filho “é que o filho é um ser humano em construção e que precisa de apoio nesse crescimento”. Essencialmente, precisa de “ser amado, naturalmente, e conhecer quais são as regras da vida”. E o pai e a mãe são “aqueles que lhe dão tudo isso”. Em jeito de resumo, “a grande diferença entre uma criança e um adulto é que o adulto sabe e a criança conta com ele para que possa aprender”. E aprender, sublinha Magda Dias, “não pode ser punitivo, humilhante ou castigador”.
Embora possa parecer simples e óbvio, a verdade é que a aplicação prática desta filosofia nem sempre é fácil. Inicialmente pode até ser um exercício complicado. “É uma rutura com uma série de ideias pré-concebidas que nos foram passadas”, confirma Carla Domingos. No entanto, esclarece, “à medida que começamos a pôr em prática algumas estratégias e vemos o impacto imediato que têm no comportamento das crianças, começa a tornar-se mais natural”. Isto porque a interação entre pais e filhos muda de registo. “A minha filha passou a procurar quase sempre explicações para as regras que impomos. Precisa de entender o que pedimos e lembra-se mais tarde e repete-nos, até nas coisas mais pequeninas”.
O grande objetivo da parentalidade positiva é “criar adultos íntegros, saudáveis, ‘desencucados’ e felizes”, afirma Magda Dias, explicando que “pessoas felizes, sérias e ‘desencucadas’ fazem mais bem do que mal e estão mais disponíveis para ajudar e cooperar”.Além disso, uma criança que é educada nesta base “desabrocha mais facilmente”. É uma criança que “percebe e integra os limites que existem na sua vida, porque percebeu o interesse dessas mesmas regras e não precisa do pai ou da mãe ao lado para as executar”. É uma criança “disciplinada, porque é incentivada a pensar, a escutar-se e a escutar os outros porque ela própria é escutada”. É uma criança “que sabe retardar a recompensa e que percebe mais facilmente que a sua felicidade depende de si e não procura justificações quando as coisas correm mal”. No futuro, “saberão lidar e gerir as suas emoções e terão a capacidade de identificar as emoções das outras pessoas, sendo por isso muito mais empáticos”, garante Magda Dias. Crescer assim permite que se tornem pessoas capazes de fazer melhores escolhas. E este tipo de adultos são “menos frustrados, menos revoltados e com uma maior capacidade de fazerem o bem e de ajudarem”.


Entre a permissividade e a autoridade

A parentalidade positiva mora entre duas formas antagónicas de educar: a autoritária e a permissiva. “É um meio-termo que se baseia no respeito e na função dos pais que é educar e humanizar a criança e torná-la num adulto íntegro, são e feliz”.
Uma educação autoritária recorre, com frequência, ao uso das palmadas, dos castigos, dos berros e do medo. “Se no imediato a criança até atua da forma como o pai ou a mãe quer, a verdade é que o faz apenas porque não quer ser castigada e não porque percebeu o interesse da ordem”. No limite, “vai desenvolver uma resistência aos pais ou então vai deixar de pensar pela cabeça dela… é uma forma um bocadinho castradora”. Na parentalidade positiva também há espaço para os pais darem ordens, esclarece Magda Dias, sublinhando que esse é mesmo o papel dos pais. Contudo, a diferença é que “os pais escutam a criança, podem ou não negociar com ela naquilo que é negociável e dizer-lhe para atuar de uma determinada forma, explicando porquê, sem ameaças ou humilhações”.
Já numa educação permissiva, permite-se tudo “com medo de se frustrar a criança ou por causa de sentimentos de culpa (muitas vezes no caso de pais separados ou de pais que trabalham muito tempo fora de casa)”. Ora, uma criança para crescer de forma segura “precisa de limites e de regras”. E precisa de entender e interiorizar, pelo que as regras devem ser repetidas “uma, duas, três ou mais vezes e com muita firmeza”. Uma criança que vive sem regras e limites é “uma criança com muita ansiedade” e que vive com a sensação de que “os pais não conseguem protegê-la”. E isso é “terrivelmente assustador”. É preciso não esquecer que a criança é um ser em crescimento e que precisa de orientação. E a “verdadeira missão dos pais é orientar os filhos”. A autoridade “não é um capricho, nem é birra dos pais”, sublinha Magda Dias, afirmando que “a autoridade é aceite quando o pai e a mãe se sentem legitimados no seu exercício e quando aquilo que pedem é coerente”. Convém também lembrar que os conflitos são normais em qualquer tipo de relação. “O importante é aprender a saber escutar e a respeitar a opinião do outro, seja ele o pai ou o filho”. E assim favorece-se também a vinculação entre os dois.
Para Carla Domingos, esta mudança foi reveladora e, no limite, sente-se hoje uma mãe mais realizada. “Poder conversar com ela e explicar-lhe o porquê das regras e as consequências das suas ações, em vez de ralhar e castigar, permite-nos ter uma relação mais tranquila. Isto não significa que ela faça tudo o que lhe apetece! Continua a desafiar-me, como é suposto para a sua idade, e eu tenho de ser firme a estabelecer limites, mas retirámos a frustração e a humilhação no nosso relacionamento. A Leonor está menos irritável e mais carinhosa connosco. Consequentemente, nós também. O facto de termos começado a demonstrar empatia pelas suas emoções, tranquilizou-a de algum modo e ajudou-a a ganhar algum autocontrolo. Os dias de birra em sessões contínuas no fim do dia de trabalho estão praticamente superados!”. 


Treinar os pais

São cada vez mais os pais que procuram ajuda quando sentem que a educação que estão a dar aos filhos não está a dar os frutos pretendidos. Muitos, confrontados com a frustração das birras e a ineficácia dos berros e castigos repetidos, procuram alternativas e sentem-se aliviados quando encontram o apoio necessário. “Nenhum pai quer ter de castigar e bater e quando o faz, sente-se mal, angustiado e frustrado. Bater e castigar ou humilhar nunca foi uma forma de educar e há alternativas para isso”, sublinha Magda Dias, referindo que “há cada vez mais pais a fazer coaching parental”, que, muitas vezes, é o suficiente para “‘desbloquear’ e fazer fluir a relação familiar, eliminando aqueles ‘dilemas’ do dia-a-dia”.
Se por um lado “educar não é uma tarefa simples” e, por outro, “os filhos não trazem manual de instruções”, lidar com os desafios do seu desenvolvimento “é uma tarefa complexa para pais e mães, que se sentem frequentemente sozinhos e sem respostas sobre quais as estratégias para lidar com as diferentes situações com que se deparam”, sustenta Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica coordenadora do MindKiddo (www.mindkiddo.com), projeto da Oficina de Psicologia especializado em saúde mental infantil e juvenil. Perante todas as dúvidas que se levantam e pela “complexidade da tarefa e da especificidade de cada criança, beneficiar de acompanhamento parental poderá ser útil e permite aos pais desenvolverem melhores competências parentais, especialmente porque promove a confiança e segurança nas suas ações e maior conhecimento do seu filho”. Na complexa tarefa de educar, muitas vezes o instinto não chega e é preciso perder a “vergonha” e perceber que uma “pequena” ajuda pode fazer toda a diferença entre uma relação entupida pela frustração e culpa e uma relação mais feliz e realizada. 
“Muitos pais e mães vivem com a ideia que é suposto saber educar uma criança e que é suposto termos um ‘instinto’ que nos dá todas as respostas para lidar com os filhos”, pelo que não se permitem “sentir que falharam ou que não sabem como fazer”. Consequentemente, “não sabem como lidar com a culpa que daí advém”, explica Rita Castanheira Alves, sublinhando que, no coaching parental, o processo “não passa por encontrar culpados ou atribuir falhas, mas sim por ajudar a desenvolver práticas mais adequadas”.
Até porque os pais podem ter alguma dificuldade em encontrar o seu “instinto”. “Tenho estado com pais e mães que chegam até à consulta cheios de dificuldades em lidar com comportamentos problemáticos e bem difíceis dos seus filhos, mas o maior problema deles é a pressão que sentem e que exercem sobre si mesmos porque vêm com a ideia pré-concebida de que deveriam ter um ‘instinto’ materno ou paterno para lidar com a criança”, conta a psicóloga. O “instinto” é muito importante quando pais e mães percebem que a “regra para ele aparecer e funcionar é descontrair”. No fundo, esse “instinto” não é mais do que “o conhecimento único que têm dos seus filhos”. E a conjugação “entre esse conhecimento e as práticas parentais e estratégias que podem adquirir através de um processo de coaching parental poderá ter grandes benefícios”. No fundo, aproveitando o “instinto”, o coaching “ajuda os pais a sentirem-se parte integrante do processo e sentirem que o seu conhecimento das situações e do seu filho é essencial para atingir os objetivos definidos”.
Os pais que recorrem ao coaching “sentem-se não só satisfeitos porque veem mudança e melhoria da situação ou das situações que os estavam a preocupar, mas sentem sobretudo que foram eles os responsáveis pela mudança e por conseguirem alcançar os seus objetivos, o que contribui para a sua segurança, autoconfiança, felicidade e sentido de competência no papel de pais”, explica a psicóloga. Neste sentido, o coaching é “especialmente importante quando os pais não estão a ser capazes de lidar com os seus filhos, embora seja uma ferramenta útil para todos os que educam, no sentido de se munirem de estratégias úteis de forma preventiva”. Até porque “não saber fazer tudo, nem saber fazer tudo bem, é parte de ser humano”, como tal, o mesmo se aplica à “complexa tarefa de educar um filho”. Afinal, “se estudamos para ser médicos, cozinheiros ou jornalistas, porque não podemos estudar para ser melhores pais?”, questiona Rita Castanheira Alves, em jeito de desafio. Tal como “quando queremos desenhar com maior mestria ou tocar um instrumento com mais saber, procuramos mais informações e aulas que nos ajudem a lá chegar”, também “é útil procurar apoio quando falamos em educar”, reforça Magda Dias.


Encher o copo de mimo

Madalena tem dois anos e está prestes a deixar de ser filha única. A chegada da irmã e todo o reajustamento familiar inerente, condicionado por uma gravidez que a determinada altura obrigou a mãe a estar em repouso absoluto, provocaram alterações na rotina e no comportamento da menina. As birras incessantes e a co-dependência exagerada levaram a mãe, Margarida Marques, a recorrer ao coaching parental. “A hora de dormir era um pesadelo… para ela e para mim. A Madalena exigia imenso a minha presença, por isso a hora de dormir passou a ser às 23h00 (por exaustão) e no sofá em cima da minha barriga, ao contrário do habitual, 20h30, na cama dela. Tive que pedir socorro”, conta Margarida. A solução proposta por Magda Dias, que já conhecia por ter feito o workshop sobre parentalidade positiva, foi “encher-lhe o copo de mimos e afetos, explicar-lhe tudo o que acontecia à volta da minha barriga, envolvê-la nas coisas relacionadas com a chegada da irmã, como por exemplo arrumar o quarto dela e escolher as roupas para levar para a maternidade”. Conseguir pô-la a dormir como antigamente, “sem choros nem birras”, demorou uma semana, “levou-me à exaustão física e pensei várias vezes em desistir, mas a perseverança deu resultados… e dos bons!” Do que aprendeu, no workshop e no coaching, gostou especialmente do conceito-chave “encher o copo da criança”. Porque “uma criança com o copo cheio de mimo e cheio de afetos é o que se pretende”, embora o conceito de “mimo” seja muitas vezes entendido de forma pejorativa. Por outro lado, também é importante “aprendermos a ser empáticos com os nossos filhos: mostrar-lhes que compreendemos a situação deles e que somos solidários com os seus sentimentos”. Agora “faz todo o sentido”, explica Margarida, referindo que os resultados obtidos com esta nova forma de se relacionar com a filha são muito positivos e que, na base deste sucesso, está também a proposta de dedicar 15 minutos diários à filha, assim que chega a casa, e brincar com ela sem interferências. Porque, garante, a fórmula “criança feliz, pais felizes” resulta. 


Os pais também fazem birra

“Se não vens comer já, não há mais playstation!” “Dá-me um beijinho! Não dás? És feio!” “Para de brincar com o pacote do açúcar! Olha que vem aí a polícia…” Os pais também têm direito a perder a paciência, a ficar zangados e a ceder às tensões e inseguranças. Ninguém é perfeito. Mas a tentação de recorrer a chantagens, mentiras ou punições deve ser contrariada. Falar sempre a verdade, explicar as regras e escutar a criança pode fazer toda a diferença. “Quando falamos a verdade estamos a respeitá-la enquanto ser humano que é e, compreendendo a verdade, vai aceitá-la”, defende Magda Dias, no seu site sobre parentalidade positiva (www.parentalidadepositiva.com). Quando os pais deixam as suas próprias birras de lado, estão a favorecer também a vinculação com os filhos. “A cada passo que damos, a falar verdade, estamos a tornar a nossa casa num lugar seguro”. Até porque “com os nossos comportamentos, estamos sempre a modelar e a influenciar os comportamentos dos nossos filhos: eles aprendem porque sabem que somos justos, sérios e coerentes; aprendem porque, no respeito que temos por eles e na empatia que mostramos, acabam por devolver tudo isso em igual respeito e empatia”.



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